Memorando do ANC, FRELIMO, MPLA, PAIGC, SWAPO E ZAPU a Diallo Telli

Cota
0106.000.018
Tipologia
Memorando
Impressão
Dactilografado (2a via)
Suporte
Papel Comum
Autor
ANC, FRELIMO, MPLA, PAIGC, SWAPO E ZAPU
Locais
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
9
MEMORANDUM A sua Excelência Dialo Teli Secretario Geral da OUA Em primeiro lugar apraz-nos frisar a nossa convicção de que a reunião que teve lugar entre nós, dirigentes da ANC, FRELIMO, MPLA, PAIGC, SWAPO e ZAPU com vossa Excelência constitui um acontecimento histórico e de extrema utilidade. O significado desta reunião é também realçado pelo facto de que, pela primeira vez na História dos nossos movimentos, foi possível aos seus líderes discutirem conjuntamente sobre os problemas comuns que se põem no desenrolar das lutas de libertação. Na base das discussões que tiveram lugar, as nossas organizações decidiram apresentar a vossa Excelência diversos problemas principais que afrontamos actualmente. O nosso objectivo é ver realizadas um certo número de condições que permitam um melhor desenvolvimento a luta de libertação que se está travando actualmente em cada um dos nossos países e o estabelecimento de uma cooperação mais eficaz entre os nossos movimentos e os governos dos países africanos independentes, para a consolidação de desenvolvimento da luta comum dos povos africanos para a libertação definitiva do nosso continente. E dentro deste espírito que vos expomos pois os problemas seguintes: 1- Relações com a OUA Os movimentos de libertação são forças que lutam pela total libertação da África, pela Paz e pelo Progresso. Eles são a expressão da vontade dos povos dos países dominados de se libertarem, e que, pelos sacrifícios que suportam, pelo sangue que vertem, assumiram já o seu lugar no nosso continente. Porém, até hoje, os movimentos de libertação estão excluídos das reuniões da OUA. A sua participação tem-se limitado à apresentação de petições perante o Comité de Libertação ou à apresentação de mensagens em algumas das reuniões dos Chefes de Estado. E nossa convicção que a posição das nossas organizações no seio da OUA deve mudar, afim de corresponder à realidade e melhor realizar os interesses dos nossos povos e da África em geral. E de ter em conta que o estatuto de OBSERVADOR de que gozam os movimentos de libertação nas reuniões ministeriais ou de Chefes de Estado da OUA, é idêntico por exemplo ao de correspondente da imprensa (mesmo não africana) o que certamente nem traduz o interesse que a África tem pela libertação de África, nem a dignidade e luta dos povos que esses movimentos dirigem e representam. Por isso propomos: a) Que os movimentos de libertação assistam às reuniões da OUA e em todos os níveis: Comité de Libertação, Conselho de Ministros e Reunião de Chefes de Estado, embora sem direito à palavra nem a voto. b) Que sempre que forem discutidos problemas relativos a esses movimentos ou aos países a que pertencem, os movimentos de libertação participem nas discussões. Assim se estabelecerá a necessária troca de opiniões de que resultará certamente uma melhor compreensão dos nossos problemas e tornará o esforço colectivo mais eficaz. 2- Documentos de viagem A realização da nossa acção exige que os membros das nossas organizações viagem em missão a diversos países do globo. Isto é uma necessidade evidente. Até hoje, porém, as dificuldades surgem de várias origens: a) A maior parte dos Estados recusam a concessão de documentos de viagem b) Muitos Estados por onde devem transitar militantes para o interior dos nossos países exigem o pagamento de taxas que oneram gravemente as nossas tesourarias quando se trata da passagem de dezenas ou mesmo de centenas de elementos c) O facto de que muitos países africanos por razões determinadas, não poderem dispor de embaixadas ou consulados em todos os países dificultam a obtenção de visas. Em virtude disso, frequentemente responsáveis e militantes que chegam a um pais sem visto de entrada. Ora há vários países que interditam o acesso ao seu território aos nacionalistas que se apresentarem sem visto de entrada. Nestas circunstâncias propomos: 1) Para a circulação nos países africanos a- que os combatentes da liberdade possam circular em África com documentos de viagem passados pelas suas organizações respectivas. Que em colaboração com o secretariado da OUA os movimentos determinem as modalidades em que os documentos sejam atribuídos. b- que sejam abolidas as taxas para a passagem de documentos para os combatentes da liberdade c- que sejam abolidos os vistos para os combatentes da liberdade ou, ao menos, que estes possam ser concedidos nas fronteiras 2) Para a Circulação fora de África a- que os países africanos forneçam os documentos de viagem necessários b- que no caso de responsáveis o documento concedido seja passaporte 3- O problema dos desertores A luta armada de libertação nacional é extremamente dura. Os militantes não só são obrigados a grandes privações como também devem contar com a eminência da morte, da prisão, da tortura. É evidente que se exige do militante uma grande envergadura moral, uma alta consciência política, que nem sempre foi possível ministrar-se. Por outro lado as condições sócio-económicas dos nossos países, as legislações de repressão fazem com que elementos hesitantes, marginais, venham ao movimento nacionalista, não por consciência política mas por razões egoístas. Assim se compreende e explica o fenómeno de deserção, que de modo nenhum é exclusivo aos nossos países. Todos sabemos que mesmo nos países em que foi possível a resolução pacífica da situação colonial, mesmo nesses casos se verificaram deserções e traições. Entendemos que o facto de certos países africanos aceitarem como refugiados e fornecerem condições materiais de existência aos desertores é algo de muito prejudicial à causa da liberdade. Além disso verificou-se mesmo que em casos determinados, organizações não africanas, sob o pretexto de acções humanitárias, organizavam, encorajavam e facilitavam deserções. Porque as deserções põem em perigo tanto a segurança dos movimentos de libertação como a dos países limítrofes, é de exigir uma acção que vise da parte dos Estados Africanos: a- a recusa de acolhimento e protecção de desertores b- a entrega dos desertores aos movimentos de libertação para que se salvaguardem as condições de segurança c- a neutralização das organizações que organizam deserções 4- Liberdade de Acção nos países limítrofes Se para libertarmos os nosso Povos contamos essencialmente sobre nós próprios - e para isso estamos já pagando o necessário tributo em sangue - entendemos que a nossa luta diz também respeito à África em Geral e aos países limítrofes em particular. Para que se compreenda o problema basta que nos interroguemos sobre as consequências duma paralisação da nossa luta. Que mais de 170.000 soldados portugueses, actualmente neutralizados pela FRELIMO, MPLA, PAIGC, que dezenas de milhares de soldados de Smith e Vorster, contidos pela luta da ANC-ZAPU e SWAPO, que essas forças de agressão se vissem libertados da nossa acção, é seguro que a agressão militar contra a África tomaria proporções até hoje desconhecidas. Por isso, quer no nosso interesse, quer no dos Estados Independentes especialmente os limítrofes, se põe o problema da nossa liberdade de acção dentro dum espírito de cooperação mútua e não ingerência nos nossos assuntos internos. a) a circulação de homens, material, ou melhor, o seu trânsito para os nossos países é o primeiro ponto. Certos quadros devem ser formados no exterior, pois que no interior não é possível dispor-se ainda das condições técnicas necessárias à sua preparação. Mas eles serão inúteis se não poderem dirigir-se de novo para os seus países. O material, as armas, o dinheiro que são destinados à luta devem poder atingir o seu destino. Acontece no entanto que militantes são presos arbitrariamente, que armas e material, dinheiro são confiscados. Estas atitudes que objectivamente favorecem a agressão do inimigo contra nós e contra os Estados independentes, devem cessar o mais rapidamente possível. b) Todos sabemos que mais de 42% do orçamento português é consagrado á guerra colonial. Que centenas de milhões de libras são consagradas por Smith e Vorster à agressão. Todos sabemos que o potencial económico, científico e militar da NATO, do imperialismo apoiam a agressão de Salazar, Smith e Vorster contra a África. No entanto na África só pode consagrar menos de 1 milhão de libras anuais ao Comité de Libertação. Assim é necessário que recorramos a países amigos não africanos para uma melhor assistência material, sobretudo em material de guerra. É necessário pois que os países africanos, em especial os países limítrofes aceitem que essa ajuda, que essas armas sejam recebidas no seu território para transitarem para os seus destinos. c) Por outro lado, para a luta contra a enorme máquina de guerra de propaganda inimiga, para que desenvolvam as acções de solidariedade em relação a nós, impõem-se que delegações, jornalistas, cineastas, venham visitar os nossos países, as zonas de combate, as zonas libertadas, desmentindo assim pela realidade verificada a propaganda de mentiras inimigas, fazendo reforçar a solidariedade para connosco. Por isso sugerimos que: 1- Os países limítrofes facilitem a passagem para os nossos países de delegações, jornalistas e cineastas. 2- Que se encoraje nos países africanos o envio de delegações, jornalistas e cineastas a fim de que os governos e organizações africanas possam seguir de mais perto as nossas lutas de libertação nacional em todos os seus aspectos, tanto militantes como de reconstrução nacional. 5- Harmonização As boas relações entre os países africanos, as boas relações entre os países limítrofes são necessários e fundamentais à contribuição da África para a libertação da África dominada. É certo que é normal que num conjunto de Estados independentes, que viveram tradições e experiências diferentes haja tensões e choques entre alguns deles. No entanto; mesmo no caso de oposição séria que surja entre Estados africanos, estes devem considerar que sobre um ponto essencial é necessário manter uma cooperação no ponto que toca a libertação da África ainda dominada, porque a este ponto está ligado a própria segurança senão a sobrevivência da liberdade em África. É importante que pelo menos neste ponto se estabeleça a cooperação a fim de permitirem aos movimentos nacionalistas realizarem a sua acção. 6- Uma atitude de mobilização Impõem-se que haja nos países africanos independentes uma atitude de mobilização das massas africanas em relação à causa da libertação da África. No entanto, verifica-se que frequentemente quer os meios de informação quer mesmo certos responsáveis, insultam, ridicularizam a acção e as dificuldades dos movimentos de libertação. Propaga-se o mito do combatente da liberdade que viaja em aviões, vive em hotéis de luxo, rodeado de haréns, cria-se assim um ambiente de que o inimigo é o primeiro a beneficiar-se. Esta atitude é errada, significa falta de respeito pelos povos em luta e é desmoralizadora. Porque os movimentos de libertação representam os povos que pelo sangue reconstroem a dignidade do Homem africano, porque o próprio colonialismo e racismo foram a causa da desfiguração do Homem, entendemos que um esforço deve ser feito pelos Estados Africanos para que um mínimo de pudor e respeito rodeie a nossa causa. Nomeadamente: 1- Deverão cessar as campanhas de denegrimento em relação aos movimentos de libertação por parte dos responsáveis africanos e dos meios de informação africanos. 2- Se em certos casos houver comportamento irresponsável por parte de certos elementos dos movimentos de libertação (o que também acontece nos Estados Independentes) e se uma critica deve ser feita, que ela o seja mas sem que se caiam em generalizações abusivas ou que se esqueça um espírito de justiça e compreensão humanas. 3- Que os Estados Africanos se esforcem de popularizar pelos meios de informação a causa da libertação da África, a acção dos combatentes da Liberdade. 7- Missões Militares de OUA Felicitamo-nos da visita já efectuada a alguns dos nossos países por delegações militares da OUA. Tais visitas permitem por um lado uma informação completa das nossas realidades, o que permite, como é evidente, a realização pela OUA da importância dos nossos sucessos como das nossas realidades, o que permite, como é evidente, a realização pela OUA da importância dos nossos sucessos como das nossas dificuldades. Por outro lado essas visitas, porque obrigam uma verificação autêntica das nossas afirmações permitem que se possa definitivamente distinguir os movimentos de libertação reiais das organizações fantoches. Assim é do nosso interesse como o da OUA que se multipliquem estas visitas e que se estabeleça mesmo um carácter regular para elas. Por outro lado, porque a experiência e conhecimento dos delegados são importantes, é necessário que os movimentos de libertação beneficiem das suas observações, conselhos e críticas. Quer isso dizer que devemos ter acesso aos relatórios das delegações, que os seus trabalhos nos sejam comunicados o que contribuirá também para um desenvolvimento das nossas relacções e criará um clima ainda melhor de trabalho comum. 8- Assistência Um primeiro aspecto a considerar é o da atribuição dos fundos. Actualmente e me cada ano, é estabelecido um orçamento para cada movimento. Na base desse orçamento previsto, os movimentos estabelecem programas de trabalho. Porém, até hoje, os montantes previstos nunca foram atribuídos na sua totalidade, e as somas que finalmente são dadas, são-no muito tardiamente. Urge pois que sejam tomadas medidas para que se estabeleçam orçamentos realistas e que a atribuição dos montantes seja feito em bom tempo. Outro aspecto a considerar é o da recepção da ajuda material dada pelo Comité de Libertação e a sua transmissão aos movimentos aos movimentos nacionalista. Actualmente há dois que são entregues ao Comité de Libertação e destinados aos movimentos de libertação em geral sem especificação alguma do destinatário. Neste caso o Comité de Libertação deve, e é normal, distribuir os dons recebidos por todos os movimentos de acordo com as necessidades de cada movimento e segundo os critérios estabelecidos. Há porém mercadorias que são evidentes para o Comité de Libertação mas precisando o movimento a que se destinam. O que sucede é que por vezes esses dons não são transmitidos aos interessados mas sim a outros movimentos. Urge que se corrija esta maneira de proceder que só pode causar prejuízos ao bom, desenvolvimento da luta, e envenenar o clima das relacções entre os movimentos e o Comité de Libertação. .................................................. Eis, Excelência, os principais problemas que queríamos expor-vos. Estamos certos que saberá aceitar a nossa franqueza e compreenderá os nossos propósitos que são inspirados pelos interesses dos nossos povos em luta pela libertação geral da África. Aceite, Excelência, e camarada as nossas saudações fraternais ANC FRELIMO MPLA PAIGC SWAPO ZAPU Alger le 22 Septembre 1968

Memorando do ANC, FRELIMO, MPLA, PAIGC, SWAPO E ZAPU (Argel) a Diallo Telli (Secretário-geral da OUA).

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